Entre vocação e resistência: o que ainda significa ser professor no Brasil
No Dia do Professor, a data que deveria celebrar o conhecimento também revela os desafios contundentes que muitos docentes enfrentam

Foto: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL
O Brasil conta hoje com cerca de 2,2 milhões de professores atuando na educação básica, a maioria está no ensino fundamental, que concentra mais de 60 % desses profissionais; um número expressivo na educação infantil também.
Mesmo com tanto peso no processo de formação de crianças e jovens, a realidade da profissão está longe de ser confortável ou plena. As pesquisas mais recentes destacam vários pontos de tensão.
Dados que não se pode ignorar
Uma pesquisa realizada pela ONG Todos Pela Educação, aplicada em 2022 com mais de 6,7 mil professores da rede pública (Ensino Fundamental e Médio), mostra que 8 em cada 10 professores afirmam que, se pudessem escolher de novo, ainda optariam pela profissão. Por outro lado, muitos professores apontam que sua formação inicial — particularmente em cursos à distância — não os preparou adequadamente para os desafios reais da sala de aula.
A formação continuada também aparece como um gargalo: cerca de 69,9 % dos dirigentes municipais consideram a formação de professores específica para os anos finais do ensino fundamental um desafio grande. Sobre estrutura, muitos relatam dificuldades materiais: escolas sem infraestrutura adequada, falta de laboratórios, de recursos pedagógicos para aplicar práticas mais participativas ou inovadoras.
A adequação da formação docente também tem números que preocupam: segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica, um em cada três professores das escolas públicas não está devidamente formado na disciplina que leciona. No que se refere à valorização, os docentes percebem que a carreira profissional e o reconhecimento social ainda deixam muito a desejar. Embora avance a formação superior entre professores, muitas vezes isso não se traduz em remuneração justa ou condições de trabalho condizentes.
Onde há forças para resistir
Mesmo com tudo isso, há sinais de que a motivação — embora ameaçada — permanece viva.
A pesquisa do Todos Pela Educação indica que muitos professores encontram satisfação justamente no aprendizado observado nos alunos, no progresso visível, e na possibilidade de atuar como agente de mudança social.
Além disso, dados do Inep mostram que a proporção de professores com formação superior (licenciatura ou complementação pedagógica) tem crescido, mesmo que de modo desigual entre as regiões.
Desafios urgentes para fazer a profissão valer mais
Para que ser professor seja, de fato, uma escolha valorizada — não apenas pela idealização, mas pelas condições concretas —, alguns pontos precisam de atenção imediata:
- Melhorar a formação inicial e continuada, com currículos que reflitam a realidade escolar, especialmente nas regiões mais desafiadas, e com modalidades presenciais ou híbridas que preparem de fato para a prática.
- Valorização real do trabalho docente, não só no discurso, mas em salários adequados, reconhecimento social, planos de carreira transparentes que premiem qualidade de ensino e impacto.
- Infraestrutura escolar decente, recursos pedagógicos, materiais adequados, laboratórios, bibliotecas, tecnologia, suportes físicos e humanos (apoio administrativo) para que o professor possa focar no que realmente importa: ensinar.
- Apoio psicológico e bem-estar docente, lidando com a sobrecarga, o desgaste, a saúde mental. Professores não são apenas transmissores de conteúdo: são agentes que enfrentam pressões sistêmicas diárias que podem adoecer, física e mentalmente.
- Maior participação nas políticas educacionais, para que professores participem de decisões que impactam diretamente sua prática, ao invés de serem exclusivamente executores de diretrizes distantes.
- Envolvimento das famílias e comunidade, uma escola não opera isolada: quando o entorno colabora, projeta expectativas, e há responsabilização social, o ensino se fortalece.
Professor no Brasil
Ser professor no Brasil segue sendo uma escolha de fé — na transformação, no futuro, nas crianças e jovens. Os dados mostram que, apesar das deficiências, muitos ainda escolheriam a sala de aula, trabalho com aula, tarde de correção, escola difícil.
No entanto, persistir apenas com vocação não basta. Para que a educação pública seja de fato um direito garantido com qualidade, as contradições da profissão precisam deixar de ser normalizadas — salários baixos, formação inadequada, falta de recursos e valorização simbólica vazia.
Em 15 de outubro, celebrar o professor é também reconhecer que ainda há muito a consertar — e lutar para que cada um desses 2,2 milhões de docentes encontre suporte, voz e reconhecimento suficientes para fazer seu trabalho valer como deveria.