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O impacto financeiro das premiações da Copa do Mundo de Clubes no futebol brasileiro

O impacto financeiro das premiações da Copa do Mundo de Clubes no futebol brasileiro

Dinheiro recebido pelos participantes do torneio pode criar ‘abismo’ dentro do Brasil

| Autor: Gustavo Nascimento

Foto: Divulgação/FIFA

A Copa do Mundo de Clubes acabou e uma das coisas que mais chamou a atenção das pessoas sobre a competição foram as quantias exorbitantes de dinheiro que entraram nos cofres dos clubes participantes. Para as equipes brasileiras e sul-americanas, as cifras foram ainda mais impactantes, representando valores muito maiores do que estavam acostumadas a receber.

Cada clube sul-americano recebeu 15,21 milhões de dólares (R$ 85 milhões) somente por participar da competição. Além disso, a possibilidade de título invicto de um time brasileiro, por exemplo, poderia trazer um retorno de 102 milhões de reais (R$ 575 milhões), mais de cinco vezes a premiação total recebida pelo campeão da Copa do Brasil (R$ 101,2 milhões) e mais de três vezes a premiação total por vencer a Libertadores (R$ 185 milhões).

E a premiação não é absurda somente para os brasileiros e sul-americanos. Os clubes europeus, que geralmente tem uma força financeira muito maior que as equipes das outras federações, também tiveram um interesse muito grande no dinheiro da Copa do Mundo de Clubes. 

Mesmo que a Liga dos Campeões - o maior torneio de clubes do futebol - tenha uma premiação estimada em 130 milhões de euros (R$ 850 milhões) para o campeão, é preciso jogar 17 partidas ao longo de oito meses para ter acesso a essa quantia, ou seja, o valor médio desembolsado por partida é de 7,6 milhões de euros (R$ 50 milhões). 


Jogadores do PSG comemoram título da Champions League | Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

Enquanto isso, o prêmio máximo da Copa do Mundo de Clubes poderia ser de 117 milhões de dólares (R$ 650 milhões) em somente sete jogos, ou seja, uma média de 16,7 milhões de dólares (R$ 90 milhões) por partida. Contudo, o Chelsea - time que venceu o campeonato - não recebeu a quantia máxima; entenda o motivo abaixo.

Veja como é dividida a premiação

Premiação pela participação - por federação:

Times da Europa: de 12,81 milhões de dólares (R$ 71,66 milhões) a 38,19 milhões de dólares (R$ 213,63 milhões) [explicação na sequência]
Times da América do Sul: 15,21 milhões de dólares (R$ 85 milhões)
Times da América Central e do Norte: 9,55 milhões de dólares (R$ 53,4 milhões)
Times da Ásia: 9,55 milhões de dólares (R$ 53,4 milhões)
Times da África: 9,55 milhões de dólares (R$ 53,4 milhões)
Times da Oceania: 3,58 milhões de dólares (R$ 20 milhões)

Premiação por participação entre os europeus - variação pelo ranking da UEFA:

1. Manchester City - US$ 38,91 milhões (R$ 216,3 milhões)
2. Real Madrid - US$ 36,6 milhões (R$ 203,46 milhões)
3. Bayern de Munique - US$ 34,3 milhões (R$ 190,67 milhões)
4. PSG - US$ 31,9 milhões (R$ 177,33 milhões)
5. Chelsea - US$ 29,6 milhões (R$ 164,55 milhões)
6. Borussia Dortmund - US$ 27,1 milhões (R$ 150,65 milhões)
7. Inter de Milão - US$ 24,7 milhões (R$ 137,31 milhões)
8. Atlético de Madri - US$ 22,4 milhões (R$ 124,52 milhões)
9. Porto - US$ 20,1 milhões (R$ 111,74 milhões)
10. Benfica - US$ 17,8 milhões (R$ 98,95 milhões)
11. Juventus - US$ 15,4 milhões (R$ 85,61 milhões)
12. Red Bull Salzburg - US$ 13 milhões (R$ 72,27 milhões)

Premiação por cada fase da Copa do Mundo de Clubes:

Fase de grupos: 2 milhões de dólares (R$ 11,2 milhões) por vitória e 1 milhão de dólares (R$ 5,59 milhões) por empate
Oitavas de final: 7,5 milhões de dólares (R$ 41,9 milhões)
Quartas de final: 13,125 milhões de dólares (R$ 73,4 milhões)
Semifinais: 21 milhões de dólares (R$ 117,4 milhões)
Vice-campeão: 30 milhões de dólares (R$ 167,8 milhões)
Campeão: 40 milhões de dólares (R$ 223,7 milhões)

Todo esse dinheiro reflete o interesse comercial global e a participação das principais marcas parceiras da Fifa, organizadora da competição, além de mostrar que a disputa pelo título do Mundial de Clubes não tem caráter somente esportivo, mas também financeiro. Para os clubes sul-americanos, a conquista do torneio poderia significar um ano inteiro de orçamento extra. 

Dos brasileiros, quem chegou mais longe na competição foi o Fluminense, que caiu na semifinal e desembolsou cerca de 60 milhões de dólares (R$ 338 milhões). O Palmeiras, eliminado pelo Chelsea nas quartas de final, recebeu quase 40 milhões de dólares (R$ 221,6 milhões).

Flamengo e Botafogo, eliminados nas oitavas de final, também receberam quantias diferentes. O rubro-negro desembolsou 27,71 milhões de dólares (R$ 154 milhões), enquanto o alvinegro ganhou 26,71 milhões de dólares (R$ 148,56 milhões). 

A diferença de um milhão de dólares se explica pela campanha de ambos na fase de grupos. O Flamengo, com duas vitórias e um empate, arrecadou mais que o Botafogo, que teve duas vitórias e uma derrota.

Desconto no contracheque

Apesar das enormes premiações, a legislação norte-americana submete os clubes ao pagamento de imposto retido na fonte na categoria "FDAP – Fixed, Determinable, Annual or Periodical Income" (Renda Fixa, Determinável, Anual ou Periódica, na tradução literal para o português). A alíquota é de 30% sobre a premiação bruta recebida diretamente no país, o que significa que os clubes perderão quase um terço do dinheiro recebido na competição.


Donald Trump, presidente dos EUA, segura troféu da Copa do Mundo de Clubes | Foto: Jeenah Moon

Para os brasileiros, essa taxa soma-se ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1,1% sobre remessas líquidas recebidas do exterior, que é ativado após a dedução feita pelo imposto norte-americano, ou seja, o IOF é cobrado sobre os 70% restantes da premiação. 

O Botafogo, por sua vez, receberá uma tributação ‘extra’ por ser gerido no modelo de Sociedade Anônima de Futebol (SAF). O clube está sujeito ao regime de tributação específica para SAFs (Tributação Específica do Futebol — TEF), com alíquota unificada de 5% sobre o valor líquido recebido nos Estados Unidos, já deduzido da tributação norte-americana, e também do IOF. 

Veja o valor líquido recebido pelos clubes brasileiros:

Fluminense: 42,11 milhões de dólares (R$ 235,38 milhões)
Palmeiras: 27,57 milhões de dólares (R$ 154,11 milhões)
Flamengo: 19,19 milhões de dólares (R$ 107,26 milhões)
Botafogo: 17,53 milhões de dólares (R$ 97,99 milhões)

Desequilíbrio interno

Com a premiação recebida na Copa do Mundo de Clubes, Flamengo, Palmeiras, Fluminense e Botafogo dispararam no ranking de premiações da temporada 2025 no futebol brasileiro. Antes do Mundial, por exemplo, o Fluminense era o 9º clube brasileiro com a maior arrecadação no ano, com cerca de R$ 20 milhões.

Somente com a competição, o tricolor carioca desembolsou R$ 235,38 milhões, mais de 11 vezes a arrecadação total antes do torneio. Enquanto isso, o Bahia é o time com a maior arrecadação entre os times que não participaram da Copa do Mundo de Clubes, com R$ 38 milhões, o que escancara a discrepância causada por essa Copa do Mundo.

Em comparação à temporada passada, o Botafogo - campeão da Libertadores e do Brasileirão - foi o time com a maior premiação geral, tendo recebido R$ 261 milhões. O Glorioso foi o único time a receber mais de R$ 200 milhões, enquanto Flamengo, Atlético-MG e São Paulo foram os únicos em 2024 a passar dos R$ 100 milhões.

Os valores trazidos pela Copa do Mundo de Clubes podem gerar o maior superávit anual da história do futebol brasileiro, ajudar no pagamento de dívidas e viabilizar contratações. Se bem geridos, esses clubes terão a oportunidade de se organizar estruturalmente ao ponto que consigam ter uma força esportiva desproporcional aos outros. 

Nessa lógica, o poder financeiro, traduzido em poder esportivo, seria fundamental para que a competitividade e as conquistas se concentrassem cada vez mais nesses clubes, o que faria com que eles seguissem com as maiores arrecadações do futebol brasileiros nos anos seguintes. Existe a possibilidade real de um ciclo vicioso de desequilíbrio se estabelecer no futebol brasileiro.

Além do dinheiro, a Copa do Mundo de Clubes também trouxe a esses clubes uma visibilidade internacional que pode os diferenciar dos outros no sentido de atrair patrocinadores e investidores.

De certo modo, esse processo de concentração de riquezas e, consequentemente, competitividade já acontece no futebol sul-americano, em que os clubes brasileiros se diferenciam das equipes de outros países por questões econômicas. De 2010 até hoje, a principal competição de clubes do continente, a Libertadores, foi conquistada 11 vezes por times brasileiros, três vezes por argentinos e conquistada somente uma vez por uma equipe da Colômbia.

Na Europa, as premiações robustas da Liga dos Campeões podem gerar - direta ou indiretamente - desequilíbrios econômicos e esportivos em algumas ligas periféricas, já que a arrecadação na competição, muitas vezes, tende a superar os valores que os clubes desembolsam no futebol local. 

A liga da Áustria é um exemplo disso. O RB Salzburg foi fundado em 2005 pela Red Bull e se consolidou como um dos clubes mais relevantes do país desde então, ganhando sua primeira liga nacional já na temporada 2006/07. A partir daí, foram 13 títulos conquistados na competição, sendo 10 deles consecutivos, entre as temporadas 2013/14 e 2022/23.

O impulso financeiro da empresa de energéticos fez com que o time criasse uma estrutura competitiva forte o suficiente para disputar sempre os títulos nacionais, o que foi potencializado pelas premiações recebidas na Liga dos Campeões ano a ano. 

O processo se repete em vários outros países. Na Bulgária, o Ludogorets vive uma sequência de 14 títulos nacionais consecutivos. Na Croácia, o Dinamo Zagreb venceu 19 títulos da liga só neste século, sendo 11 consecutivos entre 2005/06 e 2015/16, além de outros sete em sequência entre 2017/18 e 2023/24. 


Ludogorets, atual campeão da Bulgária 14 vezes consecutivas | Foto: Divulgação/Ludogorets

Na Sérvia, desde a criação da Superliga em 2006, Partizan e Estrela Vermelha praticamente controlam a competição. Nesse período, são oito títulos do Partizan, sendo seis consecutivos entre 2007/08 e 2012/13, e 10 títulos do Estrela Vermelha, sete deles conquistados seguidamente a partir da temporada 2017/18. 

Exemplos não faltam para justificar o temor de que a competitividade no futebol brasileiro se concentre entre poucos clubes. Talvez, o maior trunfo do Brasil em relação às outras ligas ao redor do mundo seja o equilíbrio e a competitividade interna que o dinheiro ainda não conseguiu comprar.

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