Entenda como a política anti-imigração dos Estados Unidos pode afetar seleções na Copa do Mundo de 2026
O governo de Donald Trump proíbe a entrada de cidadãos de 19 países, incluindo dois que estão classificados para o torneio
Foto: Jonathan Ernst/Reuters
Entre as determinações mais impactantes da política anti-imigração do governo de Donald Trump nos Estados Unidos, está a proibição da entrada de cidadãos de 19 países no território norte-americano, incluindo Haiti e Irã, que estarão na Copa do Mundo de 2026. Apesar de sediar o torneio junto a México e Canadá, os Estados Unidos vão concentrar 78 dos 104 jogos da competição, o que traz a preocupação de como as delegações dessas seleções, além dos familiares de atletas e os torcedores estarão nos EUA durante o torneio de maior expressão do futebol mundial.
As restrições estão em vigor desde o dia 9 de junho deste ano e incluíam inicialmente 12 países: Afeganistão, Mianmar, Chade, República do Congo, Guiné Equatorial, Eritreia, Líbia, Somália, Sudão, Iêmen e os já citados Haiti e Irã. Contudo, a determinação ficou ainda mais rígida após o ataque à Casa Branca realizado no dia 26 de novembro, que tirou a vida de um militar norte-americano e deixou outro gravemente ferido, e teve a autoria de um cidadão afegão.
A reação do Departamento de Segurança Interna dos EUA foi suspender todos os pedidos de imigração e naturalização para cidadãos desses países, considerados de alto risco, além de adicionar a essa lista outras sete nações, que antes estavam restritas de forma parcial: Burundi, Cuba, Laos, Serra Leoa, Togo, Turcomenistão e Venezuela, que ficou a dois pontos de disputar a repescagem para a Copa do Mundo.
Kristi Noem, secretária de Segurança Interna dos EUA, escreveu por meio do X (antigo Twitter) que recomendou a Trump a “proibição total de entrada dos cidadãos de cada país maldito que inundou a nação [os Estados Unidos] com assassinos, sanguessugas e viciados em assistência social”.

Trump ao lado de Kristi Noem | Foto: Reprodução/Instagram/@kristinoem
Ainda segundo Kristi Noem, Donald Trump quer ampliar as restrições para mais de 30 países, mas não especificou quais seriam adicionados à lista. É possível que outros cinco países já classificados para a Copa do Mundo também sofram com as restrições: Cabo Verde, Costa do Marfim, Egito, Gana e Senegal.
Para toda regra existem exceções
Entretanto, existem algumas exceções que permitirão a entrada de cidadãos desses países nos Estados Unidos. Por exemplo, iranianos que possuem vistos de imigração para minorias étnicas e religiosas que enfrentam perseguição no Irã não se enquadram nas restrições do EUA, assim como cidadãos afegãos com vistos especiais, residentes permanentes legais dos EUA, pessoas com dupla nacionalidade que tenham cidadania em países que não estejam enquadrados nas restrições e pessoas com autorização do Secretário de Estado por servirem a um interesse nacional do governo norte-americano.
No entanto, a determinação que será decisiva para a Copa do Mundo é que esteve vigente na Copa do Mundo de Clubes, que aconteceu em junho deste ano, também nos EUA: atletas e seus familiares diretos, além de membros de equipes que precisarem estar nos Estados Unidos para grandes eventos esportivos não serão proibidos de entrar no território estadunidense, o que confirma que a participação de Haiti e Irã não será impossibilitada por conta da política anti-imigração, como chegou a acontecer em outros esportes.

Jogadores do Irã | Foto: Fadel Senna/AFP
Ainda neste ano, a equipe iraniana de polo aquático foi impedida de participar de um torneio mundial realizado no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, por falta de vistos concedidos aos atletas. Além disso, no final de junho, 16 membros da seleção de vôlei feminino de Cuba tiveram visto negado para entrar no país, ficando de fora do Final Four da Norceca (Confederação da América do Norte, Central e Caribe de Vôlei). A entidade afirmou ter realizado os pedidos dentro do prazo legal.
Mesmo que o Brasil não esteja enquadrado nas restrições dos EUA, o mesatenista Hugo Calderano, número 3 do ranking mundial, não conseguiu participar do WTT Grand Smash, realizado em Las Vegas, após ter o documento negado pelos EUA. O brasileiro foi informado que não estava mais elegível para a dispensa de visto por ter viajado para Cuba em 2023, onde disputou o Campeonato Pan-Americano e o evento de classificação para os Jogos Olímpicos de Paris 2024, competições organizadas pela Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF).

Hugo Calderano, mesatenista brasileiro | Foto: Luiza Moraes/COB
Restrições além dos gramados
No entanto, a participação de qualquer equipe em uma competição de futebol, sobretudo a Copa do Mundo, não depende somente dos jogadores e da comissão técnica. O Irã cogitou boicotar o sorteio da Copa do Mundo, realizado no dia 5 de dezembro, por conta do governo norte-americano não ter emitido os vistos para todos os membros da delegação iraniana.
Segundo o jornal iraniano Varzesh 3, somente quatro integrantes da delegação receberam a autorização para entrar nos EUA: Amir Ghalenoei (treinador), Mehdi Kharati (diretor executivo), Omid Jamali (diretor de relações internacionais) e Amir Mehdi Alavi (porta-voz). Até o momento, a realidade do Irã para a Copa do Mundo de 2026 se resume aos 26 jogadores que serão convocados, aos parentes próximos dos atletas, aos poucos membros da delegação e aos integrantes da comissão técnica de Amir Ghalenoei.
Entre os que tiveram seus vistos negados, está o presidente da federação de futebol iraniana, Mehdi Taj. Além dele, veículos de mídia do Irã e torcedores que não tenham emitido um visto válido antes das determinações de Trump devem ficar de fora da competição, que será a quarta em sequência e a sétima da história da Seleção Iraniana.
“Se o governo americano tem problemas com o regime iraniano por qualquer motivo, isso não deveria resultar em discriminação contra cidadãos iranianos [...] Se alguém não cometeu nenhum ato ilegal, por que deveria ser punido? Não se trata apenas da Copa do Mundo, a política precisa mudar de forma geral.”, afirma Behnam Jafarzadeh, redator do Varzesh 3.
Jafarzadeh ainda faz uma avaliação sobre a comunidade iraniano-americana, que conta com mais de um milhão de pessoas que - em sua maioria - migraram para os Estados Unidos antes da Revolução Islâmica de 1979 ou em resposta a ela.
O Haiti, que jogará a Copa do Mundo depois de um hiato de 52 anos, já foi afetado pelas restrições dos Estados Unidos mais de uma vez nos últimos anos, como aconteceu em 2022, quando o Cavaly AS abandonou a Liga dos Campeões da Concacaf por não conseguir permissão de entrada para enfrentar o New England Revolution. No ano seguinte, na mesma competição, vários jogadores do Violette AC tiveram vistos negados para atuar contra o Austin FC pela, de modo que o clube precisou completar o elenco com atletas amadores, mesmo em um torneio oficial.

Jogadores haitianos comemoram classificação para a Copa do Mundo | Foto: Reprodução/Instagram/@concacaf
Contudo, o endurecimento das políticas migratórias ganhou força durante a campanha presidencial de Donald Trump em 2024, quando foi difundida a narrativa falsa de que haitianos estariam comendo cães e gatos em abrigos nos EUA. As alegações foram desmentidas, mas ajudaram a alimentar um ambiente de hostilidade e reforçar o argumento de ameaça à segurança nacional usado no decreto.
Futebol e política se misturam
Com tantos empecilhos para a participação de alguns países, por que a Fifa simplesmente não realoca a Copa do Mundo para outra sede que não tenha problemas diplomáticos e políticos com nações que estarão no torneio? A menos de um ano da Copa, é quase impensável cogitar essa possibilidade, ainda mais quando se observa a relação de proximidade construída entre Donald Trump e Gianni Infantino, presidente da entidade máxima do futebol.
Talvez o ponto alto dessa relação, ao menos publicamente, tenha sido visto durante o sorteio dos grupos do torneio, realizado em Washington, em que Trump recebeu o “Prêmio da Paz da Fifa”, honraria criada pela entidade para homenagear indivíduos que “unem pessoas em prol da paz”. A premiação foi surpreendente até para integrantes do Conselho da Fifa e gerou polêmica entre parte da opinião pública, que encarou o prêmio como um consolo a Trump após o Nobel da Paz ter sido entregue à venezuelana Maria Corina Machado.

Trump e Infantino apertam as mãos | Foto: Jim Watson/AFP
Contudo, a relação dos dois vem desde o primeiro mandato de Trump, quando se iniciou a campanha da candidatura conjunta dos Estados Unidos com México e Canadá - com quem Trump também não tem boa relação - para a Copa do Mundo de 2026, a "United 2026". Em 2018, o Republicano chegou a escrever cartas para Infantino com a promessa de não dificultar a entrada de turistas, o que claramente não vem sendo cumprido, além de ameaçar oponentes e sugerir retaliar quem fosse contrário à realização do torneio nos países da América do Norte.
Outras aproximações entre os dois foram percebidas quando Infantino utilizou o slogan das campanhas de Donald Trump, o “Make America Great Again”, e foi mencionado várias vezes no discurso de Trump após o resultado das eleições de 2024, além de estar presente na festa da posse. Ainda, o presidente da Fifa virou visitou mais de uma vez o resort de luxo de Mar-a-Lago, na Flórida, onde fica uma mansão utilizada como um escritório não oficial do presidente Trump, onde ele costuma assinar decretos e receber autoridades.
Para estreitar ainda mais a relação, em julho deste ano, a Fifa abriu um escritório na Trump Tower, em Nova York. Em outubro, Infantino esteve ao lado do norte-americano no evento que marcou o cessar-fogo entre Israel e Hamas em Gaza.
No entanto, o discurso e as ações de Infantino se mostram contraditórias quando se lembra das vésperas da Copa do Mundo de 2022, realizada no Catar, quando o dirigente enviou cartas às seleções pedindo "foco no futebol e não na política". Pois então, como esquecer política e focar no futebol se para o próprio Infantino foi preciso dialogar com o regime absolutista do Catar para a realização desse mesmo Mundial?
Pouco antes, foi preciso lidar com a controversa figura de Vladimir Putin para a Copa na Rússia em 2018, o que indica que a proximidade excessiva com Donald Trump não necessariamente se traduz em amizade, mas em pragmatismo nos negócios, visto que o torneio pode ser uma alavanca positiva para a imagem de ambos os lados.

Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Gianni Infantino | Foto: Yuri Kadobnov/Pool
Pegando como exemplo, a final da última edição do torneio, no Catar, teve audiência de mais de 1,5 bilhão de pessoas em todo planeta. Ou seja, fazer da Copa do Mundo de 2026 um sucesso não só de audiência, mas também esportivo e econômico, significa aumentar a popularidade do líder de estado mais poderoso do mundo na atualidade.
Contudo, a prioridade de Trump não é conquistar novos apoiadores e aliados fora dos Estados Unidos, mas renovar e ampliar sua base internamente. Pesquisas mostram que o presidente dos EUA está no seu menor nível de popularidade desde o início do segundo mandato, com uma taxa de desaprovação agregada acima dos 55%.
Além disso, a avaliação dos norte-americanos sobre a economia do país, sobretudo da inflação, também pesa contra Trump. Estimativas apontam que 59% da população responsabiliza o Republicano pela alta dos preços em 2025, mesmo ano em que foi implementado o tarifaço contra os produtos brasileiros, o que não explica toda a crise do país, mas ajuda a entender parte do problema.
Varela Net agora mais perto de você: receba as notícias em tempo real no seu WhatsApp clicando aqui.