Do palácio à prisão: como as quedas de presidentes moldaram a política brasileira
Prisões escancararam abusos, disputas e as feridas de uma democracia ainda em construção

Foto: Reprodução / PR
Se, em outras democracias, a prisão de um presidente costuma ser uma exceção histórica, no Brasil ela virou, com o tempo, um traço repetido da nossa instabilidade política. De 1922 a 2025, ao menos nove presidentes ou ex-presidentes brasileiros foram presos, detidos ou confinados por decisão judicial ou força política. Os motivos variam entre golpes de Estado, conflitos militares, escândalos de corrupção e perseguições ideológicas. O que não muda é o impacto: cada uma dessas prisões deixou marcas profundas no país.
Essa é uma história feita de personagens complexos — alguns com acertos, outros com desvios inegáveis, todos com trajetórias que ainda reverberam. Mas nenhum episódio foi tão polarizador quanto as prisões de Luiz Inácio Lula da Silva e a iminente responsabilização de Jair Bolsonaro. Se de um lado há quem veja justiça, de outro se enxerga perseguição. O que há, na verdade, é um país que ainda não decidiu onde termina a política e começa o crime — ou vice-versa.
Linha do tempo dos presidentes presos (ou quase)
- Hermes da Fonseca (Preso em 1922)
O marechal, que presidiu o Brasil entre 1910 e 1914, foi preso por criticar uma intervenção federal em Pernambuco. A decisão foi tomada por Epitácio Pessoa, então presidente, e gerou revolta no meio militar. O episódio culminou na Revolta dos 18 do Forte, prenúncio do tenentismo.
Impacto: A prisão dividiu o Exército e iniciou uma era de insubordinação militar que duraria décadas.
- Washington Luís (1930)
Último presidente da República Velha, foi deposto por Getúlio Vargas durante a Revolução de 1930 e preso no Forte de Copacabana. Seu governo foi afundado pela crise econômica pós-1929.
Impacto: Sua prisão marcou o fim da política do café com leite e o início da Era Vargas.
- Artur Bernardes (1932)
Presidente entre 1922 e 1926, foi preso por apoiar a Revolução Constitucionalista de 1932, movimento que exigia nova Constituição e criticava o governo provisório de Vargas.
Impacto: Mostrou que nem ex-presidentes estavam imunes à repressão varguista.
- Café Filho (1955)
Assumiu após o suicídio de Getúlio Vargas. Adoentado, foi afastado e, ao tentar reassumir, foi impedido pelos militares e mantido sob vigilância em casa até ser oficialmente substituído por Juscelino Kubitschek.
Impacto: Mostrou a força dos militares em decisões civis, mesmo após a redemocratização.
- Juscelino Kubitschek (1967)
Símbolo do progresso nos anos 1950, JK foi detido em plena ditadura militar. Suspeito de conspirar contra o regime, passou dias na prisão e depois foi mantido em seu apartamento sob vigilância.
Impacto: O governo que construiu Brasília passou a ser tratado como ameaça à ordem militar.
- Jânio Quadros (1968)
Não foi preso formalmente, mas confinado pelo regime militar em Corumbá (MS) após dar declarações políticas. Presidente por apenas sete meses, renunciou em 1961 num ato até hoje cercado de mistério.
Impacto: Seu confinamento revelou os extremos da censura e do controle militar.
A era da corrupção: Collor, Temer, Lula e agora Bolsonaro
- Fernando Collor (2025)
Preso 33 anos após renunciar para fugir do impeachment, Collor foi condenado a 8 anos e 10 meses por corrupção e lavagem de dinheiro num esquema envolvendo a BR Distribuidora. Seu governo (1990-1992) foi o primeiro da redemocratização, mas também o primeiro a cair sob denúncias de tráfico de influência.
Impacto: Foi a primeira vez que o povo derrubou um presidente nas ruas. Seu retorno à prisão selou um ciclo político de impunidade adiada.
- Michel Temer (2019)
Preso na Operação Lava Jato, foi acusado de liderar uma organização criminosa que teria movimentado bilhões em propina. Entre os escândalos: mala com R$ 500 mil, propinas da Odebrecht e contratos na usina de Angra 3.
Impacto: A prisão de Temer revelou que nem mesmo um presidente “técnico” e discreto estava livre do jogo de corrupção partidária.
- Luiz Inácio Lula da Silva (2018)
A prisão de Lula foi o auge e a derrocada da Lava Jato. Condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex, o ex-presidente ficou 580 dias na cadeia. Depois, o STF anulou todas as condenações, considerando que o juiz Sergio Moro agiu com parcialidade.
O que Lula fez:
- Tirou o Brasil do Mapa da Fome.
- Criou o Bolsa Família, PRONAF, FIES, Prouni.
- Aumentou o salário mínimo acima da inflação.
- Alavancou a política externa e o consumo interno.
Críticas e polêmicas:
- Escândalos do Mensalão e Petrolão ocorreram sob seu governo.
- Alianças com o centrão e figuras investigadas.
- Crescimento amparado em boom de commodities, com pouca reforma estrutural.
Impacto: A prisão dividiu o Brasil entre justiça e perseguição. Sua soltura reacendeu debates sobre o papel do Judiciário e da mídia. Em 2022, Lula foi eleito presidente pela terceira vez.
- Bolsonaro: à beira do banco dos réus
Jair Bolsonaro, presidente de 2019 a 2022, ainda não foi preso, mas pode se tornar o primeiro ex-presidente detido por tentativa de golpe de Estado. Segundo a PF e a PGR, ele participou da elaboração do “Plano Punhal Verde-Amarelo”, que previa a morte de autoridades e a ruptura institucional.
Além disso, responde por:
- Falsificação de cartão de vacinação;
- Desvio de joias públicas;
- Envolvimento nos atos de 8 de janeiro;
- Inelegibilidade por abuso de poder.
O que Bolsonaro fez:
- Ampliou o Auxílio Brasil e reduziu impostos sobre combustíveis.
- Incentivou o agronegócio e o armamento civil.
- Adotou postura negacionista durante a pandemia, com efeitos devastadores.
Impacto:
- A democracia brasileira foi levada ao seu limite.
- O STF virou alvo da extrema-direita.
- O país viveu a pior crise institucional desde a redemocratização.
Se condenado, Bolsonaro pode pegar até 43 anos de prisão — o máximo permitido no Brasil é 40.
Prender um presidente é condenar um país?
Não há resposta simples. Cada prisão de um ex-chefe do Executivo é um sintoma. Às vezes, de um sistema de justiça finalmente funcionando. Outras, de um poder que persegue inimigos com toga. No caso de Lula, foi a politização do Judiciário que levou à prisão e à posterior reparação. No de Bolsonaro, é o próprio Judiciário quem pode decidir se houve uma tentativa real de destruir a democracia.
O Brasil já foi governado por homens de farda, de terno e de discurso fácil. Muitos saíram algemados — alguns voltaram, outros foram esquecidos. O que nunca mudou foi o desejo da população de que, um dia, o poder não precise ser corrigido por grades, mas por votos conscientes e instituições fortes.