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Crise da arbitragem no futebol brasileiro

Cada jogo disputado no futebol brasileiro a arbitragem ganha pauta por conta do envolvimento em polêmicas

| Autor: Lucca Anthony
Edílson, arbitro central da Máfia do Apito

Edílson, arbitro central da Máfia do Apito |Foto: Nelson Coelho

Já é do senso comum no mundo do futebol brasileiro que, independente do nível e da importância da partida, a chance de algum erro ou polêmica dos árbitros acontecer é alto. A cada fim de rodada nos jogos no Brasil, há sempre o debate sobre se determinada decisão daqueles que "gerem" o jogo, pode ou não ter atrapalhado o andamento e o resultado. Mas por que, se tornou um senso comum na cabeça do brasileiro a desconfiança daqueles que deveriam determinar limites, se torne o "centro das atenções" em um mero jogo, através de suas escolhas questionáveis e decisões complicadas?

FALTA DE PROFISSIONALIZAÇÃO

O primeiro ponto a se discutir é a não existência da profissão oficial "juiz de futebol", isso porque esse cargo não entra nas regras de profissão com leis como CLT e FGTS, se tornando algo semiprofissional ou até amador. Logo os pagamentos dos árbitros, como não é uma profissão "oficial", serão recebidos por partidas, com os valores alterando em que área da arbitragem irá atuar (arbitro principal, bandeirinhas, quarto arbitro e VAR), além da importância da partida, caso seja jogo dos estaduais, da Série A, B, C, D do campeonato nacional ou internacionais. Essa falta de um salário fixo pode atrapalhar um juiz ao se preparar para as partidas, tanto fisicamente quanto emocionalmente, por conta da necessidade de buscar outras formas de sustento para conseguir ganhar realmente um salário em prol de sustentar sua casa. 

Por conta disso, é necessário cursar e aprender diferentes regras para se tornar um árbitro com direito de comandar uma partida profissional no Brasil. Esse processo é mais conhecido como "Homologação" e é - resumidamente - divido em quatro partes: A primeira parte seria o início do processo, onde uma pessoa comum de no mínimo 18 anos à 30, se inscreve em uma Federação de futebol (como federação baiana e / ou federação paulista) para cursar o "Curso para árbitros", onde aprenderá sobre ética, regras do futebol, etc. Após esse primeiro processo, para participar dos duelos profissionais da federação à escolha do novo juiz, é necessário primeiro ter experiencia em partidas de base - como campeonatos regionais sub-17 e sub-20 -, buscando alcançar uma gama de jogos para te trazer experiência para o profissional. Chegando ao nível dois, os de jogos profissionais dentro do estadual, a comissão de arbitragem estadual analisa todos os seus desempenhos para ver se você já está apto ao nível nacional, no caso o terceiro nível. 

Após ganhar experiência e boas avaliações ao nível estadual, a federação pode indicar o árbitro para a CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Com isso, precisará passar por alguns requisitos, como ter 3 anos atuando em competições profissionais estaduais, uma faixa etária entre 25 e 40 anos e participar de cursos oferecidos pela Escola Nacional de Arbitragem de Futebol (ENAF). Por fim, para quem tem o desejo de participar do chamado "quadro FIFA", o quarto nível, o árbitro precisa ser selecionado pela CBF - da mesma forma como foi pela Federação -, e fazer testes físicos e psicológicos elaborados pela própria FIFA, além de falar fluentemente inglês ou francês. 

DEFICIÊNCIA NA PREPARAÇÃO / CORREÇÃO

Conectado à falta de profissionalização, a deficiência em relação à preparação dos juízes afeta demais em seu desempenho dentro de campo. Isso porque quando há um erro fatal em uma partida, a CBF não tem o melhor processo de "reeducação" para um juiz ao nível profissional. Normalmente, quando acontece um erro bastante polêmico do árbitro principal ou de sua equipe de arbitragem a Confederação Brasileira de Futebol fica omissa, sem se pronunciar sobre alguma investigação feita para analisar o lance ou alguma punição para o "culpado", o que quebra a credibilidade da entidade. Porém, quando decisões sobre os erros são tomadas, eles se tornam "obsoletos". 

Recentemente no clássico GreNal (Grêmio x Internacional), em um duro jogo de clássico, nos minutos finais da partida o jogador Aravena do Grêmio foi derrubado na área pelo defensor Aguirre, em uma marcação que deveria ter sido assinalada pênalti - segundo a CBF em nota, após a partida -, porém foi negada pelo árbitro central Bráulio da Silva Machado, mesmo após análise do VAR. Sua decisão, assinalada como errada pela CBF depois, afetou seriamente o resultado da partida, já que em um histórico clássico valendo importantes pontos no Brasileirão, um pênalti marcado traz chances bastante altas de gol. 

Porém, além do erro para se analisar, é necessário ver a postura da CBF em relação a uma "punição" ao juiz, que mesmo com o erro reconhecido, não passou por um processo de reestudo sobre as escolhas no jogo, nem mesmo "rebaixamento" para jogos menos importantes para aprender novamente. A entidade disse que Bráulio passaria por "eventuais medidas disciplinares, sejam instruções internas ou arquivamento", mas até o tempo atual, nada foi feito. Outro ponto é o nível de preparação para os árbitros. Em vídeo para seu canal no YouTube, Cartolouco mostrou como os árbitros filiados à federação paulista se preparam para a temporada. O que chamou atenção foi a "falta de preparo mental", ou seja, o nível de pressão em cima de seu desempenho em treino nada se aproximava realmente a um jogo profissional, onde os "nervos a flor da pele" afetam o desempenho. 

CREDIBILIDADE DOS JUÍZES E A MÁFIA DO APITO

Na história do futebol mundial, já houve grandes escândalos de corrupção entre clubes, entidades e juízes, que manipulavam os resultados em benefício próprio, tanto para ganhar campeonatos como também dinheiro, se envolvendo com máfias e casas de apostas. No Brasil, não seria diferente, e o escândalo conhecido como "Máfia do Apito" é comentado até hoje, mesmo após 20 anos. 

A Máfia do Apito foi o maior escândalo de manipulação de resultados dentro do futebol sul-americano, executado na temporada de 2004, foi divulgada a público em 2005 pela revista Veja, onde juízes internacionais e do alto escalão, apostadores e casas de apostas ilegais manipulavam jogos. Os árbitros buscavam manipular jogos ao apostarem e combinarem com os apostadores uma determinada quantidade de gols, cartões amarelos e vermelhos em jogos da Série A e B do Campeonato Brasileiro. A manipulação garantia que apostas de alto risco (e alto retorno) fossem ganhas artificialmente.

O escândalo foi divulgado a público e imprensa em 2005 pela Veja e revelou o nome de dois juízes, Edílson Pereira de Carvalho, árbitro homologado pela FIFA, e Paulo José Danelon, árbitro da CBF, além do empresário em casas esportivas Nagib Fayad (o "Gibão"). Logo depois da mega reportagem feita, a CBF decidiu paralisar os campeonatos e refazer 11 rodadas, onde os envolvidos participaram dos jogos. Porém, isso causou grande polêmica na tabela, pois alterou a pontuação de muitos clubes. O Corinthians, que seria o campeão daquele ano, foi beneficiado indiretamente pelas anulações.

Já no âmbito judicial, a CBF e o STJD (Supremo Tribunal de Justiça Desportiva) decidiram aplicar as seguintes punições: baniram os árbitros envolvidos, refizeram as partidas anuladas, reforçaram o controle de escalação de árbitros. Edílson, o principal árbitro envolvido, além de ser banido do futebol durante toda sua vida, chegou a ficar preso durante 6 meses, revelando que por partida manipulada receberia no mínimo R$ 10 mil, se tornando 'persona non-grata' na arbitragem brasileira. Mesmo assim, no fim, mesmo com a anulação dos jogos e prisão dos envolvidos, o impacto causado no futebol brasileiro já tinha estragado a "boa imagem" do torneio, abrindo debate sobre a integridade da arbitragem e regulação das apostas no Brasil, se tornando algo tão vivo atualmente, mesmo após 20 anos. Curiosamente, Edílson, em entrevista no ano de 2023, contou que só foi um bode expiatório de todo o esquema e que muitas "laranjas podres" continuam envolvidas no futebol hoje em dia. "Tem muita coisa suja por trás do futebol, eu só fui o que apareceu", disse. 

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