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O imediatismo do trabalho no futebol brasileiro

O imediatismo do trabalho no futebol brasileiro

Trabalho dos comandantes das equipes brasileiras são marcados por rapidez e demissões precoces

| Autor: Redação - Varela Net

Foto: Vinnicius Silva / Cruzeiro

Em um país em que o futebol é o esporte mais desenvolvido e popular, treinadores precisam se reinventar para se adequar à rápida evolução das equipes adversárias, lutando a cada dia de trabalho para manter seu cargo em alto nível no futebol brasileiro. Em uma liga bastante acirrada, é comum ver um técnico sendo contratado em um determinado dia e em menos de 1 mês ter sua saída anunciada, algo diferente do que ocorre em outros países com o futebol bastante competitivo, como na Espanha ou Inglaterra. Com isso, é necessário entender o porquê da cultura brasileira de querer resultados rápidos e não deixar espaço e tempo para um trabalho mais duradouro de seus técnicos. 

FALTA DE APOIO E COBRANÇA 

Um dos principais motivos tem a ver com a falta de apoio da diretoria que contratou o técnico e a cobrança feita pelos torcedores em cima do novo comandante e da própria diretoria. Isso porque, mesmo sendo de conhecimento que um novo trabalho normalmente não engatará de primeira, a pressão de resultados positivos de forma imediata pela torcida, cobrando ao novo chefe e aos "engravatados", faz com que a desconfiança apareça, levando consequentemente a surgir uma falta de apoio real pelo novo trabalho. 

Por conta disso, nasce uma real dificuldade de implementar projetos, já que sem o apoio e novos recursos, o treinador irá enfrentar dificuldade em criar e planejar um trabalho a longo prazo, que envolve planejamento, treinamento e aprimoramento do elenco em suas mãos. O técnico Paulo Autori, bastante conhecido dentro do futebol brasileiro, em entrevista em 2023 - época em que era treinador do Cruzeiro - ressaltou sua indignação ao comentar sobre ser hostilizado no estádio e o sentimento de imediatismo. "Uns levam 20 anos para colocar o clube aqui embaixo e dois anos você tem que recuperar ele, o clube. Não é a equipe, é um clube que só vai poder ter equipes fortes se tiver processos fortes", adicionando que em “Nenhum lugar do mundo você é hostilizado no seu lugar de trabalho. Nenhuma profissão permite isso. Por que só o futebol?”.

QUALIFICAÇÃO E EVOLUÇÃO

Além da cobrança, há também a questão da evolução pessoal como treinador. Com o futebol se aprimorando, novas ideias e estilos de jogo nascendo, é necessário se reinventar e evoluir, para não ser ultrapassado. No Brasil, nasceu a ideia de que "o de fora é melhor", justamente por treinadores brasileiros manterem um pensamento igual, se tornando obsoleto. Segundo Ronaldo Fenômeno, “O treinador brasileiro está dois degraus abaixo do nível mundial. Nós não evoluímos, paramos no tempo.”

Logo, ao se tornar previsível, os técnicos brasileiros com sua cultura de "manter as tradições" se tornam alvos justamente das cobranças, em relação aos maus resultados. Essa linha de raciocínio não é só analisado pela imprensa local, como também é pelos analistas internacionais e especialistas, os quais consideram que muitos técnicos tradicionais brasileiros carregam uma visão tática velha, que frequentemente gosta de depender do talento individual dos jogadores, ao invés de trabalhar em relação ao conjunto. Segundo o treinador português Jorge Jesus - que teve uma histórica passagem no Flamengo em 2019 -, os "técnicos brasileiros estão ultrapassados taticamente", já que privilegiam os atletas ao invés de ideias coletivas. 

CULTURA 

O ponto central e o principal motivo das rápidas demissões é a cultura já enraizada no futebol, o imediatismo a mudanças. Isso ocorrer pelo desejo e a ilusão que um novo rosto no projeto possa trazer uma melhora significativa e rápida. Esse pensamento é visto além nos torcedores e na diretoria, como também na imprensa, já que matérias como "vai mudar", "evolução" e focos assim, instigam a pensar em rápido desenvolvimento. 

Um exemplo bastante atual que mostra a tal cultura aconteceu no Sport Clube de Recife, clube de Pernambuco que disputa atualmente a primeira divisão do brasileiro. Quando o português Antônio Oliveira foi contratado pelo clube, o leão vinha amargando derrotas e resultados nada favoráveis no campeonato, Antônio apareceu como "um salvador". Com passagens no Corinthians e em outros clubes, o português não durou mais de quatro jogos (menos de um mês) encerrando a passagem mais rápida do clube com somente um ponto (3 derrotas e 1 empate). 

Os jogos enganam já que antes de sua demissão, o diretor esportivo Thiago Gasparino concedeu entrevista coletiva afirmando que "os números apontam evolução", com a crença de que o time voltaria às vitórias. Mesmo assim, um dia após a fala, o Sport anunciou a saída dele. Vale destacar, que em seu jogo de estreia contra o Cruzeiro - onde foi goleado por 4 a 0 - a torcida entoou o cântico de "burro" para o técnico, mostrando a vontade de velocidade nas mudanças e na falta de fé no chamado "processo". 

OUTROS CASOS DE TÉCNICO DEMITIDOS RAPIDAMENTE

- Rogério Ceni - Cruzeiro: menos de dois meses, demitido após desavenças com líderes do elenco e sequência de cinco jogos sem ganhar. 

- Ricardo Drubscky - América MG: somente dois jogos, demitido por conta de duas derrotas seguidas (Cruzeiro e Paraná). 

- Rogério Lourenço - Bahia: 5 jogos, campanha fraca (somente um triunfo) e derrota no clássico BAVI. 

- Enderson Moreira - Athletico PR: 8 jogos (~1 mês), o aproveitamento foi de 50%, mas críticas da diretoria querendo melhores resultados fizeram ele pedir demissão, sendo que nem sequer utilizou os reforços recém-contratados, pedidos por ele na época. 

Esses casos, curiosamente, resultaram no final da temporada, no rebaixamento dos clubes envolvidos ou uma temporada extremamente abaixo.

Logo, é notório ver que a falta de organização, cobrança desnecessária com a falta de paciência faz com que um trabalho promissor acabe estragando toda uma temporada de um clube, resultando até mesmo em um sério problema no futuro. 

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