Entre ‘tapas e beijos’; como a relação entre Trump e Musk impacta a política nos EUA, no Brasil e no mundo
Conflitos entre o homem mais rico e o mais poderoso do mundo podem ditar os rumos da política internacional

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Elon Musk, homem mais rico do mundo |Foto: Roberto Schmidt/AFP
A relação de proximidade entre o bilionário Elon Musk e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, começou bem antes de o republicano retornar à Casa Branca em 2025, mas se mostrou para o mundo justamente no período eleitoral de 2024. A união entre o homem mais rico do mundo e o político mais poderoso da atualidade resultaria em uma vitória sem grandes dificuldades diante de Kamala Harris, sucessora de Joe Biden e representante do Partido Democrata.
A aliança entre Trump e Musk não se explica por uma relação de “afetos pessoais”, mas sim por conta de interesses coincidentes, como explica Elton Gomes, professor de Ciências Políticas na UFPI e especializado na Política Externa Brasileira e na Teoria das Relações Internacionais.
“Eles se uniram por uma lógica maximizadora de interesse e redutora de custo. Então, circunstancialmente, Elon Musk e Donald Trump estavam aliados porque havia o interesse da esquerda americana de restringir significativamente a liberdade de expressão no ambiente virtual, e também reduzir o volume de investimentos públicos no setor aeroespacial.”, declara o professor.
No âmbito político e midiático, a união de Elon Musk e Donald Trump, duas bandeiras da extrema direita norte-americana e internacional, significa a retomada de uma teórica liberdade de expressão que flerta com a propagação e banalização de discursos de ódio que sustentam o conservadorismo no poder. Nesse sentido, a compra do Twitter por Elon Musk, seguida pela criação de novas regulações e imposição de novas diretrizes, traduzem a estratégia para que a rede social se transformasse no “X” - um ambiente digital controlado pela dupla e que tenha a capacidade algorítmica de reforçar seus discursos.
Além de Musk, a união de outros bilionários em apoio à candidatura do Republicano, como Mark Zuckerberg, dono da Meta (Facebook, Instagram, Threads, e WhatsApp) e Jeff Bezos, dono da Amazon, mostram como a influência das Big Techs conseguiu ditar os rumos de uma decisão eleitoral e, consequentemente, impactar na conjuntura política norte-americana e internacional.
Bilionários Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Elon Musk, em destaque. | Foto: Reprodução
No âmbito empresarial, a relação se baseia - sobretudo - na cooperação de ambos na nova corrida espacial que existe hoje. Trump dá a Musk os contratos e a liberdade institucional para desenvolver seus programas aeroespaciais, enquanto o bilionário fornece seu nome, seu rosto, sua influência e sua tecnologia ao governo americano para que esta se torne uma relação benéfica para ambos.
Dessa forma, a SpaceX - empresa de Elon Musk especializada em programas aeroespaciais - é a única instituição privada do mundo que dispõe da tecnologia necessária para levar astronautas à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), que funciona a partir da colaboração entre a NASA (Estados Unidos), Roscosmos (Rússia), JAXA (Japão), ESA (Europa) e CSA (Canadá).
Entrada e saída de Musk da política
Após o intenso apoio a Trump na disputa presidencial de 2024, Elon Musk foi convidado para assumir a agência de eficiência governamental (DOGE, na sigla em inglês) com a promessa de fazer cortes profundos nos gastos da máquina pública.
As tentativas de Musk para cortar gastos governamentais consistiram - de forma simplificada - na demissão em massa de funcionários federais e tentativas de fechar agências federais inteiras. Estima-se que 260 mil funcionários federais tenham tido seus empregos cortados ou tenham aceitado acordos de rescisão.
O bilionário chegou ao cargo como um "funcionário especial do governo" (SGE, na sigla em inglês), posição que permite uma pessoa a trabalhar 130 dias por ano em um cargo público. Ou seja, a saída de Musk do governo já era programada e estava prevista para o fim de maio, considerando que o mandato de Trump começou no dia 20 de janeiro deste ano.
Em sua despedida, o bilionário chegou a agradecer o presidente em suas redes sociais. "Com o fim do meu mandato como Funcionário Especial do Governo, gostaria de agradecer ao presidente @realDonaldTrump pela oportunidade de reduzir gastos desnecessários", declarou Musk no X.
Apesar do tom aparentemente amistoso da mensagem, a saída de Musk da esfera pública aconteceu de forma truculenta, o que se mostrou surpreendente em relação ao que a proximidade da dupla sugeria anteriormente. O principal motivo do desencontro de ideias entre os dois foi um projeto de lei central para a agenda de Trump, o qual inclui isenções fiscais multi-trilionárias e aumento nos gastos com as forças de segurança.
O Escritório de Orçamento do Congresso, um órgão apartidário, afirmou que essa medida acrescentaria US$3,8 trilhões à dívida de US$36,2 trilhões do governo federal norte-americano. Musk chegou a afirmar em uma entrevista à CBS que estava "decepcionado" com o fato de o projeto aumentar o déficit federal, além de que acreditava que isso "prejudicaria o trabalho" que estava sendo feito no DOGE.
Dias após deixar o governo, Elon Musk fez uma série de publicações criticando diretamente o governo e o congresso.
“Desculpe, mas eu simplesmente não suporto mais. Esse enorme e escandaloso projeto de lei do Congresso, cheio de gastos excessivos, é uma abominação nojenta. Vergonha para quem votou a favor: vocês sabem que fizeram errado. Vocês sabem.”, publicou o bilionário no X.
Em outra postagem, Musk afirmou que “o Congresso está levando a América à falência.”
Dentre as críticas feitas diretamente a Trump, Musk chegou a afirmar em uma publicação que o político está "nos arquivos de Epstein" e que essa é a "verdadeira razão" pela qual os registros não foram divulgados publicamente, apesar de não detalhar como teve acesso a esses arquivos.
A acusação se refere aos arquivos relacionados a Jeffrey Epstein, um pedófilo condenado que cometeu suicídio em 2019 enquanto aguardava julgamento por acusações federais de tráfico sexual. Teorias conspiratórias afirmam que o governo está encobrindo uma "lista de clientes" poderosos de Epstein, que também teriam cometido crimes hediondos.
Donald Trump e Jeffrey Epstein com suas esposas no início dos anos 2000. | Foto: Getty Images
Para alguns, a teoria ganha força quando se observa que Trump era amigo Epstein e frequentava as festas organizadas pelo empresário.
Alguns funcionários da Casa Branca e importantes figuras republicanas tentaram relacionar as críticas de Musk com a revogação planejada pela legislação de certos subsídios para veículos elétricos, e ao impacto que isso geraria na Tesla, empresa comandada pelo bilionário. Inclusive, as ações da empresa sofreram uma queda de 14% no dia 5 deste mês, após Donald Trump ameaçar retirar contratos governamentais das empresas de Elon Musk por conta da briga.
"Os atores políticos não têm afetos, os atores políticos têm interesses"
Uma pesquisa realizada pelo jornal The Economist, concluída no dia 9 de junho, sinalizou que a maior parte dos norte-americanos acredita que Elon Musk sai perdendo com o “divórcio” com Trump, o que pode explicar sua postura de contrição.
Analisando o histórico de votação dos entrevistados nas eleições presidenciais de 2024, 86% dos eleitores de Trump ainda têm uma visão favorável dele, enquanto Musk é aprovado por 67% dos eleitorado republicano.
Uma reportagem da CNN indica que Elon Musk e Donald Trump fizeram as pazes na última semana, iniciativa que teria partido do dono da Tesla. Na última segunda-feira (9), Musk teria ligado para o presidente e se desculpado pela série de publicações “acaloradas” feitas nas redes sociais.
Após os telefonemas, Musk apagou suas publicações mais críticas ao presidente dos EUA nas redes sociais, incluindo a que relacionava Trump à lista Epstein e outra concordando com a sugestão de que Trump deveria sofrer impeachment. Além disso, na última quarta-feira (11), o CEO da Tesla fez uma publicação dizendo que se arrepende de algumas das postagens sobre o presidente, destacando que elas "foram longe demais".
O professor Elton Gomes explica o recuo do bilionário. “O Musk precisa muito do apoio do governo americano, já que considerável parcela dos seus negócios intervém de contratos públicos, que são controlados pelo Executivo americano, e a perda desses investimentos seria desastrosa para ele em termos de ‘empresariagem’.”, explica o professor.
No geral, Trump também perdeu a aprovação geral dos norte-americanos desde sua eleição. O estudo mostra que somente 43% dos entrevistados ainda aprovam o presidente, enquanto 52% desaprovam seu desempenho no cargo.
“Então, aquele mesmo cinto de pragmatismo que colocou Trump e Elon Musk juntos vai ser o mesmo que vai os reunir em uma lógica de reconciliação própria do mundo político. Os atores políticos não têm afeto, os atores políticos têm interesse.”, finaliza Elton.
Impactos no Brasil e no Mundo
É evidente que uma disputa entre o homem mais rico e o político mais poderoso do mundo pode gerar diversos impactos na geopolítica internacional, como explica o professor Elton Gomes.
“Isso afeta a dinâmica da economia internacional, e isso afeta, potencialmente, a segurança internacional, porque boa parte da segurança internacional hoje se dá através do manejo de dados de grande porte, das comunicações feitas por satélite, da vigilância por meio de sensores orbitais. A gente está vendo isso claramente agora nos conflitos da Ucrânia e do novo enfrentamento entre Israel e Irã.”, disse o professor.
Apesar disso, Elton Gomes também alerta que as consequências dessa briga não serão sentidas de maneira uniforme em todos os lugares, e chegou a citar os países que utilizam a tecnologia da Starlink, serviço de internet via satélite fornecido pela SpaceX.
“Tudo vai depender da construção contextual e factual na qual eles estão inseridos e do nível de sensibilidade e vulnerabilidade dos atores às crises [...] por exemplo, países que estão empregando massivamente o Starlink, ou países que têm hoje uma grande vinculação com o setor de tecnologia tendem a ser mais sensíveis também por serem mais vulneráveis”, explica o professor.
O Brasil, por sua vez, também depende da tecnologia da Starlink para serviços de internet via satélite, especialmente para áreas remotas em que a infraestrutura tradicional de internet é limitada. A empresa de Elon Musk se tornou líder no mercado brasileiro de internet via satélite, com mais de 300 mil acessos.
Porém, a atenção do Brasil em relação aos conflitos entre Elon Musk e Donald Trump estão voltadas para o âmbito das redes sociais, como também explica o professor Elton Gomes, que cita os episódios de tensão entre Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e o bilionário. “Elon Musk teve uma disputa muito grande com a Suprema Corte Brasileira, que procurou pôr obstáculos aos negócios de Elon Musk no Brasil, notadamente o X”, afirmou Gomes.
Na primeira ocasião de conflito entre ambos, em agosto do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes requisitou ao bilionário que a plataforma atendesse às leis brasileiras, como a capacidade de ter um representante legal no país. Além disso, a decisão obrigou o X a pagar multas que foram impostas pela Justiça, surgidas depois que o ministro ordenou o bloqueio de perfis que criticavam as instituições democráticas.
A resistência de Musk para cumprir os pedidos de Moraes fez com que a rede social ficasse suspensa por 39 dias no país. O retorno da operação do X aconteceu somente no dia 8 de outubro, após autorização do ministro do STF.
Dessa forma, o professor Elton Gomes acredita que a separação entre Trump e Musk poderia ser benéfica ao Brasil, já que a aliança entre eles representa um ponto de força para o governo norte-americano.
“Se Musk e Trump realmente ficassem em lados opostos, isso beneficiaria o grupo político dominante do Brasil hoje, essa aliança do Partido do Governo com a Suprema Corte. Se eles se mantiverem juntos no propósito político comum, isso então é prejudicial para esse grupo político que hoje governa o Brasil consorciadamente, porque eles teriam que enfrentar esses dois atores muito poderosos, representando respectivamente o governo americano com suas enormes capacidades.”, finaliza Gomes.
Presidente Lula ao lado de Alexandre de Moraes. | Foto: Ricardo Stuckert